RGM: 23164301
Turma e turno: Literatura Inglesa e Norte-americana - Matutino
Poema escolhido:
a daughter should
not have to
beg her father
for a relationship
Intertexto:
O poema de Kaur refere-se à falta de relacionamento entre pai e filha. Essa problemática, muitas vezes gerada pelo lado paterno, causa na criança uma carência afetiva que pode trazer complicações futuras. Alguns desses problemas podem ser vistos por meio da canção Because of you, da cantora kelly Clarkson, lançada em 2004.
A música, que é um desabafo da cantora direcionado ao pai, apresenta trechos doloridos, que nos faz refletir sobre a responsabilidade dos pais em relação à vida dos filhos.
“Because of you
I find it hard to trust not only me,
but everyone around me
Because of you I am afraid”
Com base no que Kaur e Kelly nos mostram, juntamente com experiências pessoais, resolvemos aprofundar essa temática em forma de conto.
As botas amarelas
O sol brilhava no ponto mais alto do céu de Brasília, apontando a chegada das 13h nos relógios locais. O dia amanheceu sem nenhuma nuvem, até o clima estava agradável, o que não era comum na cidade. No centro de Brasília, em um belo restaurante, Kelly, uma mulher de vinte e oito anos, aguardava com nervosismo, sentada em uma mesa próxima à janela, a chegada de uma pessoa, que tanto a machucou e deveria ter sido o seu protetor e amigo de todas as horas, o seu pai.
E, enquanto ela aguardava, as lembranças da infância e adolescência voltaram a sua mente como se fossem um lembrete dos gatilhos que ela carregava. O pai não apareceu em seus aniversários, nem na sua formatura e em nenhum dos momentos mais importantes de sua vida. Ao lembrar de tudo isso, a ferida, que ela achava já ter cicatrizado, sangrava novamente dentro do seu interior, e nem o melhor da medicina seria capaz de fechá-la.
Kelly, nauseada e ansiosa com toda aquela situação, fechou os olhos por um momento e, de repente, ela estava na cozinha de casa observando a mãe preparar o seu bolo de aniversário de dez anos. Como qualquer criança daquela idade, ela estava animada e esperava com ansiedade o momento do parabéns que aconteceria horas mais tarde. O cheiro do bolo caseiro da mãe a fazia entrar em um estado de completa paz, sim, essa era a palavra certa para descrever aquele momento.
As horas finalmente passaram, e Kelly colocou seu vestido azul com botas amarelas. A escolha não foi aleatória, o vestido foi um presente da mãe e as botas do pai. Os convidados começavam a chegar, e conforme o tempo passava, as esperanças de ver o pai entrar pela porta iam diminuindo. Minutos depois, a mãe a puxou em um canto e disse que não poderia esperar mais, assim que ouviu isso, a menina olhou para as botas, que antes eram amarelas, e as viu se tornarem cinzas. E foi naquele exato momento que ela percebeu que o pai jamais voltaria para casa, jamais voltaria para ela.
Depois da festa, ela se aninhou com a mãe no sofá e chorou, sentia saudade do pai que não via há meses desde a separação com a mãe. Ela entendia os motivos que o levaram a partir, a mãe explicou cuidadosamente dias antes da mudança, só não tinha explicação da ausência dele na vida da única filha e isso a machucava tanto quanto machucava Kelly.
kelly sentiu um toque em seu ombro que a fez voltar ao restaurante, sentiu um arrepio na espinha achando que o pai havia chegado, mas era o garçom perguntando se ela estava bem, ela assentiu e, então, levantou-se e saiu em direção ao banheiro a fim de tentar se acalmar. Quando voltou à mesa, recebeu uma mensagem da mãe perguntando sobre o encontro, Kelly respondeu que ele estava atrasado, o que não era nenhuma novidade. A mensagem da mãe era cercada de preocupação, visto que foi ideia dela o encontro. O pai a procurou para saber da filha, se dizia arrependido e disposto a consertar o passado, a mãe assentiu e disse que faria o possível para que ela aceitasse o encontro. Depois de algumas tentativas falhas, ela conseguiu convencer Kelly a pelo menos ouvir o que ele tinha a dizer.
E então a menina, que agora era uma mulher, apertava as mãos com nervosismo enquanto esperava aquele que um dia chamou de pai. Minutos se passaram, e ela começou a cogitar que ele não apareceria, quando, de repente, ao olhar para a porta dupla do restaurante, viu entrar um senhor de aproximadamente sessenta anos, a aparência estava desgastada pelo tempo, mas ela o reconheceria mesmo se tivesse em meio a uma multidão. Ele varreu os olhos pelo local até parar em Kelly, os olhos brilharam de surpresa e reconhecimento. Enquanto Kelly ficou imóvel na cadeira.
Ele caminhou até ela, com um pouco de receio e aparentemente emocionado.
– Filha… - ele fala baixo.
– Oi. - é a única coisa que Kelly consegue dizer.
Ele sentou à mesa e tentou iniciar uma conversa, mas Kelly não conseguia escutar, pois estava focada em entender as emoções que invadiam seu corpo. Ele perguntou, de modo tímido, se ela estava bem, e ela só conseguia balançar a cabeça pensando nos anos de terapia que teve de fazer para poder se sentir capaz e suficiente para si mesma. Lembrou-se de uma fala da sua psicóloga: "não podemos mudar o outro, só podemos mudar a nós mesmos". E talvez, ela precisasse desse encontro para conseguir se libertar do passado.
O pai parou de falar por um instante e passou a observá-la, e nesse momento, ela pôde expressar o que sentia, questionando os motivos que levaram o pai a querer vê-la depois de tantos anos. Ele manteve o silêncio e ela entendeu que não importava o motivo, pois não fazia diferença para ela. Quando ele voltou a falar, se desculpou pelos anos de ausência e tentou lembrá-la que ele ainda era o mesmo homem que ela admirava aos dez anos, o seu pai.
E enquanto o pai falava, ela pensou em cada momento da sua vida sem ele, tinha conseguido viver e crescer sem a dependência dele. Tinha se tornado uma mulher, uma boa professora e conseguia viver bem. Depois dessa reflexão, ela parou por um instante para observá-lo e então se deu conta de que nada do que os dois falassem iria mudar o ressentimento do passado. Então, olhou seriamente para ele e disse que estava bem! E ela realmente estava. Se despediu e saiu sem olhar para trás.
Ao sair do restaurante sentiu-se livre, afinal, tinha tirado um peso da sua vida. Sabia que teria que continuar com a terapia, mas entendia que não era culpa dela o pai não ser um bom pai, não era sua responsabilidade as atitudes dele. Ela poderia perdoá-lo, mas não o queria por perto, não por guardar mágoas, mas por entender que ele não cabia mais na sua vida.
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